Caminhonete chegou atrasada, vendeu menos de 100 unidades e foi recomprada pela Ford para ser destruída Ah, a vasta indústria automotiva brasileira! Cheia de ideias, gênios, aventureiros, projetos promissores, sucessos e fracassos retumbantes. Este último exemplo passa longe do que foi a Troller (que nasceu “Troler”). A fabricante começou suas operações ainda na década de 1990, no Ceará, com jipes off-road no melhor estilo Jeep Wrangler, daqueles feitos para o barro, para a terra, para atravessar pirambeiras e por aí vai.
Traziam não só componentes originais como também coisas da própria Jeep e da VW, inclusive o motor AP-2000, trocado por um 2.8 diesel MWM em 2001. Àquela altura do campeonato, o modelo original, RF Sport, já havia sido melhorado para se transformar no T4.
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Com o jipinho de fibra de vidro se modernizando sempre que o mercado pedia, era hora de a empresa crescer e abraçar outros segmentos. Primeira metade dos anos 2000, picapes figurando como queridinhas no interior do país, projetos de expansão da marca… por que não ter uma picape Troller?
Estava tudo mais ou menos pronto: já havia a mecânica confiável do jipe, material para estampar a carroceria, um chassi com longarinas que, reforçado e alongado, serviria para uma caminhonete, várias peças robustas a serem compartilhadas com o T4 e, o melhor, o público para comprá-la. Mão na massa!
O projeto da tal picape custou cerca de R$ 32 milhões para a Troller na época, e não demorou muito, dois anos e alguns meses, para terem o utilitário pronto e até com nome definitivo: Pantanal, homenageando a região tão preciosa do Centro-Oeste. A primeira aparição foi no Salão do Automóvel de São Paulo de 2004, em outubro daquele ano, com a promessa de ser um veículo profissional e muito, mas muito resistente. Tinha linhas originais, mas não muito agradáveis, mesclando o visual bronco dos jipinhos da marca com cores divertidas, inclusive amarelo mostarda e vermelho ketchup.
Caminhonete podia receber adaptações, se tornando até um veículo militar
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A própria fabricante dizia, em textos oficiais da época: “Ao apresentar a picape Pantanal, a Troller objetiva oferecer um veículo de trabalho no qual sobressaem a robustez, a confiabilidade e o baixo custo operacional do equipamento. Para tanto, o conceito de desenvolvimento da Pantanal foi totalmente focado no uso comercial, diferenciando-a de outras picapes presentes no mercado, que enfatizam o uso como carro de passeio”.
Era feita para trabalhar e nada muito além, por isso dispensava mordomias ou um design amigável. Seus maiores luxos eram direção hidráulica, ar-condicionado, trio elétrico e rodas de liga leve aro 16, sendo o primeiro item de série e os demais opcionais. Fiação, antena e alto-falantes do sistema de som estavam inclusos, mas o rádio era acessório.
A proposta era vender a Pantanal não só com caçamba de fábrica mas também na versão chassi, para ser encarroçada ou adaptada como bem quisessem os proprietários. Serviria tanto como um caminhãozinho com caçamba de madeira até como veículo militar para transportar soldados. A concepção era bruta, com eixos rígidos, feixe de molas traseiro, diferencial traseiro autoblocante, roda-livre e, na versão chamada 4×4, tração nas quatro rodas com reduzida e acionamento manual, sem nada elétrico ou eletrônico.
Fábrica da Troller ficava em Horizonte, no Ceará
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Havia ainda a 4×2, com tração traseira, para empresas que não precisavam sair muito do asfalto. Seu porte era um pouco maior que o de uma Chevrolet S10 ou Ford Ranger cabine simples da época, embora a Pantanal ganhasse das duas e de outras concorrentes no tamanho da caçamba, que podia ter até 2,65 metros de comprimento por 1,90 m de largura, caso fosse necessário. O normal era cerca de 2,40 m por 1,50 m. Conseguia ser versátil também ao levar três ocupantes na cabine simples, além de ter um dos maiores ângulos de ataque do segmento na época e tanque de diesel de 80 litros.
Do motor não havia muito a reclamar, já que era o mesmo da então Chevrolet S10 e da Nissan Frontier, suas rivais. Feito pela MWM, o 2.8 Sprint era um seis em linha com turbo intercooler que rendia 132 cv de potência e quase 35 kgfm de torque. Acoplado a ele sempre um câmbio manual de cinco marchas – a Troller foi inteligente ao colocar a alavanca no painel, ao lado do volante, como em uma Fiat Ducato. Para uma picape que puxava 1.100 kg “no lombo”, o conjunto estava de bom tamanho.
Pronta, mas não para o público…
Assim foi apresentada a Troller Pantanal ao público, embora ela estivesse pronta para ser vista, mas nem tanto para ser usada. Ainda faltavam testes finais de resistência, durabilidade e uso, nos quais a picape seria colocada de verdade à prova em toda situação para comprovar sua robustez. Desse modo, qualquer problema de projeto seria descoberto e consertado (ou não…). Outro ponto é que a fábrica de Horizonte (CE) estava em processo de crescimento. No fim das contas, a caminhonete só começou a ser realmente vendida em 2006 – um ano de atraso em relação às expectativas da própria marca.
Passou tanto tempo que, quando foi colocada à venda, a Pantanal já tinha até outro motor: um 3.0 turbodiesel de quatro cilindros em linha e Common Rail, também MWM, de 163 cv e quase 40 kgfm de torque. Acompanhava o T4, que já entrava na fase eletrônica dos motores turbodiesel. No restante, mantinha-se praticamente igual ao conceito do Salão de dois anos antes, apesar dos dois níveis de acabamento (Light Duty e Heavy Duty). Era boa de preço: custava entre R$ 67 mil e R$ 73.500, menos que suas rivais equivalentes. Valores de 2006, claro.
Pantanal na era Ford e problemas
Troller Pantanal teve boa parte das 77 unidades produzidas recompradas pela Ford
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No final de 2006, a Troller mudou seus rumos e foi parar nas mãos da Ford. Assim, não só os direitos da marca, como também seus produtos e a fábrica cearense, passaram a ser de responsabilidade da marca norte-americana, que expandia suas operações por aqui. Por algum motivo, em uma das primeiras mudanças na gestão da “nova dona”, a Troller tirou prematuramente a Pantanal de linha. Isso ainda em 2006, com pouco menos de 80 unidades produzidas.
Logo em seguida, no início de 2008, surgiu um problemático recall envolvendo a tal picape: ela poderia apresentar trincas no chassi devido a um erro de engenharia no projeto, isso quando colocada a toda prova, com uso severo e alta carga na caçamba. As tais trincas, obviamente, aumentavam e poderiam levar ao pior, ou seja, o rompimento das longarinas. Praticamente quebrava ao meio.
De tão sério, o problema acabou sendo resolvido de forma drástica pela Ford. A então nova dona da Troller decidiu recomprar as exatas 77 unidades produzidas da Pantanal, pagando o valor da tabela Fipe e até ressarcindo acessórios ou encarroçamentos. O objetivo era simples: destruir todas e colocar um ponto final na história. Seria a extinção da picape brasileira.
Quem não quisesse vender sua Pantanal para ser destruída tinha de assinar uma documentação isentando a Ford e a Troller de quaisquer problemas futuros com o veículo. Em resumo, o proprietário podia ficar com o utilitário, mas sem chance para reclamar caso aquelas trincas de chassi aparecessem. Com isso, algumas pouquíssimas picapes permaneceram “vivas”, o que faz dela um dos carros mais raros da história de nossa indústria. Quantas sobraram? Sabe-se lá…
Há quem desconfie que o recall foi, na verdade, uma estratégia da Ford para “sumir” com a Pantanal, que não teria problema algum no seu projeto ou chassi. Uma teoria de conspiração que até faz sentido, já que a picape da Troller roubava algumas poucas vendas da Ranger e, mais que isso, dava trabalho para a marca com estoque para peças de reposição ou serviços de manutenção das unidades vendidas. Más línguas dizem que saiu mais barato recomprá-las e destruir uma a uma que manter uma estrutura de pós-venda. Mais uma vez, sabe-se lá.
Tirada de linha e de cena
Por um erro de projeto, por vendas baixas ou por planos da Ford, a Troller Pantanal morria na praia. Foram vários anos entre ideia inicial, projeção do carro, estudos, engenharia, testes, entrada em produção, tudo isso para durar apenas alguns meses e, literalmente, ser quase extinta da face da Terra.
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