Dirigimos o primeiro Honda Civic produzido no Brasil, literalmente; 27 anos depois, sedã envelheceu tão bem quanto um vinho das melhores safras Não entendo nada de vinhos. Certa vez, então, recorri a uma colega enóloga, que me explicou detalhes acerca do processo de envelhecimento de um Châteauneuf-du-Pape 1997. As minúcias me fizeram entender por que as garrafas de Merlot se tornam vinagre em pouco tempo quando armazenadas de modo inadvertido em minha casa.
O Châteauneuf-du-Pape é dono de qualidades intrínsecas à idade, ao tempo em que foi preservado e ao carinho aplicado em sua maturação. É daqueles tipos tão perfeitos que até mesmo suas imperfeições são um deleite. Já um Merlot 2019, sem muito cuidado durante a concepção, tampouco quando em minhas mãos, é acético. Dor de cabeça sem recompensa.
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O Honda Civic do texto em questão é, poderíamos dizer, um Châteauneuf-du-Pape. É a primeira unidade nacional do sedã — o que é evidenciado pelo número 0001 do chassi nos vidros. Impecável, deixou a linha de produção da fábrica da montadora japonesa em Sumaré (SP) em 6 de outubro de 1997.
Conhecemos o três-volumes justamente em Sumaré. Lá, a Honda trata com muito carinho o sedã, que arranca olhares apaixonados até mesmo de funcionários. Não é à toa. O primeiro Honda Civic nacional é de sexta geração, em sua versão LX — à época, base do portfólio. Custava, quando foi lançado, R$ 29.900, o equivalente a R$ 147 mil nos dias atuais, corrigindo o valor pela inflação. Rodou, desde então, pouco mais de 500 km e parece ter saído ontem da linha de produção.
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O primeiro Honda Civic nacional foi de sexta geração
Renato Durães/Autoesporte
Na dianteira, o Civic 0001 não apresenta nenhum tipo de imperfeição. O para-choque proeminente está alinhado, a grade com cromado segue impecável e o conjunto óptico é um deleite, sem nenhuma opacidade. Os faróis, vale dizer, são maiores do que os de seu predecessor — vendido por aqui importado.
Perfeição
Em sua primeira geração brasileira, o sedã apresentava um índice de nacionalização de cerca de 40%. O trem de força era importado, bem como todas as peças de estamparia, que eram soldadas em Sumaré. A pintura também era realizada em território nacional. É o famoso formato CKD.
Honda Civic LX 1997 tinha rodas de 14 polegadas
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As rodas do modelo são aro 14 e ainda estão calçadas com os Firestone F-570 originais, medida 185/65 R14. Os pneus já têm algumas marcas causadas pelas intempéries, mas seguem retumbantes. Por fim, temos, evidentemente, calotas em excepcional estado.
Além disso, vale frisar que a linha de cintura do Civic 1997 não tem a elevação acentuada das gerações mais recentes do sedã médio. É um veículo pouco vincado e com design harmônico e discreto. A cara dos anos 1990.
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Na traseira, o para-choque é proeminente, assim como na dianteira, e as lanternas não apresentam nenhum tipo de dano grave. A coloração das lentes é de cair o queixo. O porta-malas, por sua vez, tem abertura pela chave ou interna. De acordo com a ficha original, seu volume é de 337 litros.
Honda Civic LX 1997 tinha acabamento em tecido cinza na cabine
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“Virei compacto”
Imagino que você tenha se questionado acerca do volume do bagageiro do Civic 0001, certo? Pois bem. Ponto interessante a ser notado são as dimensões. Hoje, o Civic de sexta geração seria considerado um compacto. Nosso “vinho de estirpe” tem 4,45 metros de comprimento, 1,41 m de altura, 1,70 m de largura e 2,62 m de entre-eixos. Se comparado com o Civic 11, com seus 4,67 m de comprimento e 2,73 m de entre-eixos, é um veículo de categoria distinta.
O interior evidencia o mesmo. Embora diminuto ante os sedãs mais modernos, o Civic 1997 tem espaço adequado para, afora o condutor, três passageiros. O habitáculo com acabamento em tom cinza predominante é mais limpo. Modelos atuais usualmente vêm com interiores escurecidos, a fim de exalar esportividade. Neste, porém, temos elegância.
Honda Civic LX 1997 tinha 4,45 metros de comprimento
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A qualidade de construção também deve ser elogiada. Sem rebarbas, o sedã tem materiais suaves ao toque espalhados por todo o habitáculo.
No painel, toca-fitas com auto reverse. Mais ousados poderiam optar por disqueteira. Há ainda um típico relógio do período e os controles de ventilação na horizontal, deslizantes. Também não dá para esquecer do acendedor de cigarro.
O volante de três raios possui aro mais fino e é menos encorpado que o de modelos mais novos, por não ter airbag. O item de segurança passou a equipar o Civic de série em 1998.
Painel é típico dos anos 1990, com rádio, toca-fitas, acendedor de cigarros e veludo nos bancos
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De arrancar sorrisos
Antes de guiar o Civic LX, perguntei à Honda sobre o estado do motor. O bloco de alumínio está uma beleza, assim como demais componentes. Na manutenção, apenas troca de fluidos lubrificantes e de arrefecimento e da bateria.
A unidade vem com o motor 1.6 D16Y7, com comando de válvula simples, que rende 106 cv de potência e 14,2 kgfm de torque. O clássico sistema VTEC, com comando variável, equipava a versão topo de linha, EX.
Honda Civic LX 1997 era equipado com um câmbio automático de quatro marchas
Renato Durães/Autoesporte
Dou a partida no Civic 0001 com a chave, o 1.6 dá o ar da graça e a felicidade inebria. A posição de dirigir é noventista, mas excepcional. Há uma boa visibilidade de capô e colunas.
O veículo logo ganha ímpeto assim que a alavanca é posicionada de modo a ter todas as marchas disponíveis. É uma puxada típica de carros automáticos da época. O câmbio tem quatro marchas. O menor número de posições e o mapeamento antiquado limitam um pouco a evolução de desempenho.
A tocada, mesmo assim, é uma delícia. A direção hidráulica desmultiplicada nos faz voltar no tempo. O comportamento excepcional é garantido pela suspensão com braços duplos sobrepostos na frente e atrás, e isso dá ao carro uma baita dirigibilidade.
O Civic nacional de primeira geração tem boa relação peso/potência. Com 1.092 kg, é esperto. Além disso, o condutor sente tudo o que se passa, em termos de comportamento.
Honda Civic LX 1997 oferecia o acendedor de cigarro, item famoso nos carros da época
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Quanto ao conforto, o Civic 1997 era um carro acima da média. O isolamento acústico é muito benfeito, mas dá para ouvir o barulhinho do motor 1.6 — e ele soa como música aos ouvidos. O banco abraça o motorista com primor.
Mesmo tendo sido lançado em uma era de instrumentos analógicos, o Civic 0001 tinha ajuste manual de altura da coluna de direção e elétrico dos retrovisores. Condutor e passageiros dispunham, ainda, de ar-condicionado, vidros elétricos nas quatro portas, travas elétricas e banco traseiro bipartido.
Os itens de série não são muitos. As idiossincrasias de um carro de 27 anos são várias. Só que o Honda Civic LX de sexta geração é uma obra que nos rende sorrisos mesmo nos dias mais tristes. Ele é daqueles tipos tão perfeitos que até mesmo suas imperfeições são um deleite.
Honda Civic LX 1997 – Renato Durães/Autoesporte
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