O controle do Orçamento pelo Congresso representa uma encruzilhada para o avanço das reformas a partir de 2023. Nos bastidores, a agenda econômica passou a estar condicionada à manutenção do orçamento secreto, esquema negociado com o atual governo e revelado pelo Estadão que consiste na transferência de verba a parlamentares sem critérios de transparência em troca de apoio político.
A avaliação de deputados é de que, se reeleito, o presidente Jair Bolsonaro (PL) teria uma base já formada na Casa para tentar deslanchar sua pauta econômica de imediato. Pelo menos 70% dos deputados e senadores foram contemplados em 2022, ano de eleições, com emendas do esquema, de um total de R$ 16,5 bilhões reservados para o período. Em contrapartida, o petista Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda teria de fazer essa costura política prévia. O ex-presidente já afirmou que, se vencer a eleição, vai querer negociar o fim do orçamento secreto.
Parlamenares dizem ainda que pautas consideradas prioritárias pelo mercado, como a reforma administrativa e tributária, teriam de ser votadas logo no início do ano, mas avaliam que a reforma administrativa poderia encontrar resistência por parte da bancada petista. “Se o Lula ganhar, é uma realidade; e se o Bolsonaro ganhar, é outra. Mas os dois vão compreender que terão de negociar bastante. O que muda é a força dos partidos”, avalia o analista político João Hummel, diretor executivo da Action Relações Governamentais.
Segundo ele, o aumento de poder do Congresso tem sido percebido pelo controle da pauta de votações e a influência na construção de políticas públicas. Levantamento da Action mostra que, em 2012, de 76 novos marcos legais aproximadamente 57% foram de autoria do Executivo. Já em 2021, os parlamentares foram responsáveis por 64% das proposições aprovadas pelo Congresso, enquanto um terço partiu do Executivo.
O núcleo do Centrão, formado por PL, PP (partido do presidente da Câmara, Arthur Lira), União e Republicanos, elegeu nestas eleições 246 deputados federais, quase metade da Casa. A coligação de Lula, por sua vez, emplacou 122 eleitos. No Senado, o PL se tornará o maior partido em 2023, com 14 senadores, enquanto o PT terá nove integrantes. Como comparação, a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) depende do voto favorável de no mínimo 308 deputados e 49 senadores em dois turnos.
Presidente do Republicanos, o deputado Marcos Pereira (SP) diz que as reformas tributária e administrativa terão prioridade. Ele não vê a possibilidade de mudanças no orçamento secreto: “Com a formação do novo Congresso, acho que não”. Também sobre o orçamento secreto, o senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do governo na Casa, diz que “a disposição do Congresso para discutir antecede o segundo turno”.
Desindexação de gastos
Líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) disse que o teto de gastos não será mais necessário se o Congresso aprovar a desindexação e desvinculação do Orçamento de 2023. Barros avalia que essas mudanças poderão ser aprovadas ainda neste ano, durante o período de transição política. Para o alto comando do Legislativo, porém, dificilmente qualquer proposta será aprovada ainda em 2022, porque os parlamentares que não foram reeleitos estariam desmotivados e os que conseguiram manter suas cadeiras, cansados da campanha.
A vinculação de receitas e os gastos mínimos obrigatórios são mecanismos que garantem, previamente, recursos para determinadas áreas. Já a indexação acontece, por exemplo, quando a correção das despesas, como benefícios previdenciários e o salário mínimo, está vinculada à inflação.
“Tendo Orçamento livre, não teremos crescimento automático da despesa. Aí, a necessidade do teto de gastos fica eliminada, porque a despesa só cresce à medida que for autorizada pelo Congresso, e nas áreas que forem prioridade naquele ano”, defende Barros.
A proposta tem apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que busca a reeleição para a presidência da Casa em 2023. Ele diz que a mudança garantiria uma maior mobilidade na aplicação de recursos em áreas consideradas essenciais.
Essa é uma agenda que vai na direção contrária das diretrizes de política econômica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, que sempre defenderam a indexação de benefícios e a vinculação de receitas com a justificativa de proteger direitos de trabalhadores e dos mais pobres e blindar os recursos para áreas como Educação e Saúde.
Já se o presidente Jair Bolsonaro vencer, essa agenda é cara para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que deseja continuar no cargo.
Medidas para desvincular e desindexar o Orçamento vêm sendo tentadas desde o governo Temer, e fizeram parte da agenda de Guedes no início do governo, mas não avançaram no Congresso. Quando a discussão estava mais forte, em 2020, durante a pandemia, Bolsonaro cancelou o debate na área econômica dizendo que não iria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Pressão
Outras lideranças do Congresso afirmaram que os parlamentares não vão aceitar revogar o teto de gastos sem colocar uma âncora forte de controle de despesas no lugar. Impor um limite é visto por esse grupo como essencial para manter o orçamento secreto e o domínio do Legislativo sobre os recursos da União.
A lógica de ter uma trava para as despesas é não deixar o Executivo livre para gastar e abocanhar a parte que sobra. As flexibilizações na âncora fiscal, que aumentaram no governo Bolsonaro, foram usadas para turbinar emendas. O volume de recursos nas mãos dos parlamentares foi de R$ 9 bilhões no ano de criação do teto (2016), e chegará agora a R$ 39 bilhões, valor reservado no projeto de Orçamento de 2023.
Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sustentam a interlocutores a defesa de um marco fiscal forte para sinalizar responsabilidade fiscal e, ao mesmo tempo, manter o Orçamento nas mãos dos parlamentares.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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