Caminhonete híbrida plug-in chega com 437 cv e muitos predicados contra as caminhonetes diesel, mas precisará vencer preconceitos e algumas limitações Gostaria de encetar este texto com uma onomatopeia que fizesse referência à clássica música-tema de “Tubarão”, película de 1975 dirigida por Steven Spielberg. Conectaria a brincadeirinha, sem graça, com a BYD Shark – picape híbrida plug-in que chega neste sábado (19) ao nosso mercado, por cerca de R$ 300.000, mas que já passou por nossa pista de testes.
No entanto, falhei. Explico-lhe o motivo. Digito as linhas deste teste da nova BYD Shark enquanto, na TV, cortes de podcasts genéricos vão passando, indistintos, um a um. Aspas de ex-jogador de futebol aqui, história comovente de músico para lá, tudo é ruído branco. Tudo é um “blá, blá, blá” enfadonho.
Este exercício de desdém ocorre até dado momento. De súbito, minha atenção se volta para um dos cortes. Escutei a voz de Alexandre Baldy. O vice-presidente sênior da BYD estava em um desses programas anódinos. Fui, então, capturado por uma fala do executivo. Ele bradou:
“Qual é o desespero das montadoras? É porque elas não dão conta de concorrer [conosco]. Nós abalamos o mercado brasileiro, elas não esperavam que o consumidor em nosso país fosse adotar, em tão pouco tempo, o interesse pelos carros híbridos”, disse Baldy, vice-presidente sênior da BYD.
De fato. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), 122.548 veículos eletrificados foram vendidos no janeiro-setembro de 2024. Tal representa aumento de 113% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Do montante, temos, claro, número representativo de compactos e SUVs. O consumidor já abraçou veículos eletrificados mais afeitos à cidade. Mas e quanto aos modelos voltados para o trabalho como, por exemplo, picapes? E aí chegamos à BYD Shark. A fabricante tratou de passar verniz de trabalhadora na picape híbrida plug-in. No entanto, seus predicados não se encontram exatamente aí. Tampouco o público que deve se interessar por ela.
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BYD Shark
Murilo Góes/Autoesporte
O consumidor brasileiro que pretende comprar uma picape média de trabalho olha com carinho para Toyota Hilux e Ford Ranger. As duas têm motorização diesel e capacidade de carga de cerca de 1 tonelada. Estes ainda são itens indispensáveis para quem deseja comprar um veículo para “pôr no jogo”.
A BYD Shark passa longe disso. Tem seus superlativos que, sim, podem agradar. Todavia, não oferece ao cliente o mesmo nível de capacidade de carga de ma caminhonete a diesel. Falarei sobre isso mais adiante. Antes, vamos aos detalhes.
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Design
Vamos tirar logo o tubarão da sala. Embora o tópico design seja subjetivo, há de se convir que a BYD Shark é uma picape média bonita. A dianteira lembra a Ford F-150 Lightning? Sem dúvidas. Mas, mesmo assim, o modelo da fabricante chinesa agrada.
De acordo com a BYD, a dianteira tenta emular a boca de um tubarão, pronto para devorar rivais. Isso ocorre por meio das luzes diurnas de rodagem, que “envolvem” os faróis em LED e convergem para a grade. Esta, por sua vez, ostenta o nome da fabricante em letras garrafais.
BYD Shark
Murilo Góes/Autoesporte
Na lateral, o marketing da BYD também tenta associar os traços da Shark com os “movimentos de um tubarão no fundo do mar”. Meus olhos, particularmente, não enxergam essa licença poética, mas percebem as rodas de 18 polegadas calçadas por pneus 265/65 R18, as molduras em preto, os estribos, as barras longitudinais e o santantônio.
Veem ainda as tampas, uma de cada lado, para abastecer ou recarregar a picape média. O carregamento em corrente alternada (AC) tem potência máxima de apenas 6,6 kW. Já em um carregador rápido, de corrente contínua (DC), temos até 55 kW. Além disso, o tanque de combustível tem capacidade para 57 litros.
BYD Shark
Murilo Góes/Autoesporte
Meus olhos também notaram o quão imponente a picape média híbrida plug-in, de fato, é. Com meus 1,70 m de altura, praticamente sumi ante os 1,92 m da BYD Shark. O comprimento do veículo é de 5,45 m, enquanto o entre-eixos é de 3,26 m. Para completar, o modelo tem 1,97 m de largura.
Na traseira, a BYD Shark também tem desenho interessante e, neste caso, com identidade própria. As lanternas em formato de “E”, tridimensionais, são interligadas por barra iluminada. O nome da fabricante marca presença na tampa da caçamba e há ainda a sigla “DMO”, que faz referência à plataforma – uma evolução da DM-i.
Lanternas em formato de “E”, tridimensionais, são interligadas por barra iluminada
Murilo Góes/Autoesporte
O ponto negativo da BYD Shark
Agora vamos à mordida que o tubarão dá no calcanhar de Aquiles. Antes, porém, vale destacar alguns pontos positivos. A abertura da tampa da caçamba pode ser feita por dois toques em um botão. Dá ainda para montar uma “escada”, com direito a uma barra de apoio, para facilitar o acesso à área. Lembra, também, funcionalidade da Ford F-150.
BYD Shark
Murilo Góes/Autoesporte
Temos também nesse espaço tomadas que compõem o recurso vehicle-to-load (VTOL). O sistema torna a picape em uma espécie de estação de energia móvel, se valendo dos 29,6 kWh da bateria para alimentar equipamentos eletrônicos. Durante o teste, o smartphone de Pablo Gonzalez, designer da Autoesporte, estava precisando de uma “forcinha”. A recarga do aparelho foi rápida e sem quaisquer problemas.
BYD Shark: sistema VTOL permite usar a energia das baterias da picape para recarregar eletrônicos como um celular
Murilo Góes/Autoesporte
O problema, mesmo, fica por conta da capacidade de carga de apenas 790 kg. É um número, vejam só, similar ao da Fiat Strada Endurance “cabine plus”, uma caminhonete compacta, com seus 720 kg. E mais de 20% abaixo de uma Hilux, Ranger, Chevrolet S10 e afins. Há uma explicação para isso, menos técnica e mais a ver com a legislação brasileira: comerciais leves precisam ter capacidade de carga mínima de 1 tonelada para rodar com motor a diesel em nosso país.
Ao mesmo tempo, qualquer veículo só é considerado “leve” e pode ser conduzido por motoristas de CNH tipo B se não exceter o Peso Bruto Total (PBT) de 3,5 toneladas, ou seja, a soma de seu peso em ordem de marcha com a carga útil. Por ser híbrida plug-in e ter baterias, a BYD Shark pesa 2.710 kg. Se sua capacidade de carga superasse os 790 kg declarados, a caminhonete demandaria carteira de habilitação tipo C e sua compra ficaria muito restrita.
“Escada”, com direito a uma barra de apoio, facilita acesso à caçamba; Shark tem capacidade para 790 kg
Murilo Góes/Autoesporte
BYD Shark tem interior de qualidade
No interior, a BYD Shark mostra que, se andar na prancha, cuidado, o tubarão vai te pegar. O acabamento é esmerado e as peças têm bom encaixe. Há materiais suaves ao toque por todos os cantos e uma elegante mistura entre preto e elementos em laranja pela cabine – algo similar à Ford Ranger Raptor.
BYD Shark tem elegante mistura entre preto e elementos em laranja na cabine
Murilo Góes/Autoesporte
O modelo dispõe ainda da famosa central multimídia giratória, com tela de 12,8 polegadas. Como todo BYD, a conexão com Android Auto e Apple CarPlay é sem fio, mas só ocorre com a tela na horizontal. Mas a picape também já traz o truque de arrastar três dedos para ajustar a temperatura ou a intensidade do ar-condicionado.
BYD Shark: a famosa central mutimídia giratória de 12,8 polegadas
Murilo Góes/Autoesporte
O quadro de instrumentos, por sua vez, é em tela digital de 10,25’’ de LCD. O controle de informações pode ser feito por meio do volante multifuncional de base aplanada e raios cortados.
BYD Shark
Murilo Góes/Autoesporte
O console central é grandioso como tem de ser em uma picape desse porte. Nele, além de generoso espaço de armazenamento, temos uma infinidade de botões que ficam posicionados próximos à manopla do câmbio, para os comandos de controle de velocidade e tração integral. Todos têm indicações intuitivas e são de fácil acesso. O central, em tom alaranjado, serve para dar a partida no motor.
BYD Shark: tela na vertical não permite parear Android Auto ou Apple CarPlay
Murilo Góes/Autoesporte
Para completar, temos ar-condicionado de duas zonas com saídas para o banco traseiro, carregador de celular por indução e compartimento para o cartão NFC, capaz de ligar a picape sem a necessidade de chave. Durante nosso teste, porém, tivemos à disposição apenas uma chave presencial.
BYD Shark
Murilo Góes/Autoesporte
Em termos de espaço e conforto, a Shark também agrada. O motorista tem ajuste elétrico do banco e aquecimento e ventilação disponíveis. Além disso, graças ao túnel central plano, a picape garante uma viagem mais tranquila para os passageiros que vão atrás do que qualquer picape média a diesel com o túnel elevado por conta do cardã.
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Uma picape ou um SUV (quase) firme?
Não dirigi o suficiente a BYD Shark para cravar muitas coisas. Mas dá para te passar algumas impressões. É uma picape silenciosa, com ótimo isolamento acústico e experiência no habitáculo otimizada por meio dos motores elétricos.
BYD Shark
Murilo Góes/Autoesporte
A Shark vem equipada com um motor 1.5 turbo DMO a gasolina de ciclo Miller, mais comum a veículos híbridos por permitir menos compressão e ganho em eficiência energética. Para compensar a perda de potência, neste caso temos a presença de turbo, enquanto os SUVs da família Song trazem uma variante apenas aspirada desse propulsor.
Na Shark, a especificação turbinada sozinha entrega 183 cv de potência a 6.000 rpm e 26,5 kgfm de torque a 4.500 rpm. Dois motores elétricos se aliam ao conjunto: um dianteiro de 231 cv e 31,6 kgfm, outro traseiro de 204 cv e 34,6 kgfm. A potência combinada é de 437 cv; já o torque combinado, embora não tenha sido divulgado pela fabricante, fica na casa de 70 kgfm.
Como já dissemos, a Shark pesa 2.710 kg, mas enquanto há carga na bateria (são 57 km de autonomia, segundo o Inmetro), as arrancadas e retomadas são excepcionais. Em nossa pista de testes, no Campo de Provas Rota 127, alcançamos um 0 a 100 km/h em 5,8 segundos e uma velocidade máxima de 182 km/h na prova de 0 a 1.000 metros.
BYD Shark
Murilo Góes/Autoesporte
Um dos gargalos dela, contudo, acontece quando a bateria descarrega, e isso não é raro de ocorrer em viagens mais longas, conforme relatos de donos de Song Plus na estrada. Neste caso, só o motor a combustão passa a propulsionar o veículo e a relação peso/potência dispara de 6,2 para 14,8 kg/cv. Pois é.
Para segurar o ímpeto e as mais de 2,7 toneladas da Shark, temos freios a disco ventilados na dianteira e na traseira. Embora o pedal seja um pouco “borrachudo”, o sistema segura bem a picape. Que tem, ainda, três modos de condução distintos, que podem “contê-la” para garantir eficiência ou deixá-la mais soltinha. Há também seletor para terrenos mais acidentados.
Embora mais pesada, a bateria Blade de LFP (lâminas de lítio-ferro-fosfato) faz com que a Shark fique mais “assentada” e não incline tanto lateralmente. Outro ponto de destaque é a suspensão, de braços sobrepostos na dianteira e na traseira. Dá ao modelo a condução de um SUV razoavelmente firme, com maior controle de cambagem e sem muito sobresterço. A tendência é que ela “pule” menos e seja menos mole do que as rivais a diesel com eixo rígido e molas semielípticas na traseira.
BYD Shark tem rodar confortável, similar ao de um SUV
Murilo Góes/Autoesporte
Conclusão
Em resumo, a BYD Shark garante ao condutor uma boa posição de dirigir, estabilidade acima da média do segmento, conforto e até mesmo alguma firmeza. No entanto, embora não chegue a ser um “gato de schrödinger” como a natimorta Mercedes-Benz Classe X, que não sabia se era uma picape ou um SUV, o modelo chinês tem certa crise de identidade.
Aos olhos curiosos, a BYD Shark serve como boa atração. Sua motorização híbrida, combinando ótimo desempenho E, se mirar em quem anseia por uma picape para circular pelos centros urbanos e, vez ou outra, pegar um off-road, pode encontrar seu nicho.
Teste – BYD Shark
Ficha Técnica – BYD Shark
BYD Shark em detalhes
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