Quebra de contrato da BYD com empresa após resgate de funcionários feito por autoridades brasileiras deixa o cronograma de obras da fábrica incerto Denúncias de trabalho análogo à escravidão e o subsequente resgate de 163 funcionários da Jinjiang Construction Brazil Ltda, empresa terceirizada contratada pela BYD para operar em Camaçari (BA), podem causar problemas não apenas na esfera legal para a fabricante chinesa. O cronograma para o início da produção dos carros – previsto para março de 2025 – tem chances de atrasar.
Segundo fontes ouvidas por Autoesporte, a BYD Brasil planeja uma estratégia junto à matriz a fim de manter a data previamente estipulada. Isso porque a montadora já postergou o início das operações em Camaçari, que deveriam ter começado no segundo semestre deste ano. Novos atrasos causariam mais atritos com o governo da Bahia e com prováveis fornecedores locais.
A operação liderada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e por outras autoridades brasileiras, contudo, põe em xeque o novo cronograma da fabricante chinesa. A BYD tenta, porém, esticar a corda a fim de iniciar a produção em SKD (quando as peças chegam já prontas de fora) em março. Já existem kits de Song Pro e Dolphin Mini para montagem local, e a fabricante espera ter estrutura suficiente para iniciar o processo ainda no primeiro trimestre.
Complexo da BYD em Camaçari (BA)
Marcus Celestino/Autoesporte
O problema é que a a força-tarefa liderada pelo MPT optou por embargar as obras do complexo sob a batuta da Jinjiang, responsável justamente pela construção de edificações. Além disso, a própria fabricante rompeu contrato com a empresa envolvida com trabalho análogo à escravidão e, aos olhos das autoridades, com “tráfico humano”. De acordo com os fiscais, os funcionários vieram de modo irregular para o Brasil.
Sem o auxílio da Jinjiang, a fase 2 da construção do complexo de Camaçari deve, de acordo com fontes, sofrer um revés. Essa etapa tem previsão inicial marcada para agosto. É quando a BYD promete ter “produção total”, com índice de nacionalização de cerca de 70%. Aqui, setores de pintura e estamparia começariam a operar e o Song Pro equipado com motor 1.5 a combustão e sistema híbrido flex teria a produção iniciada.
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Alojamento de trabalhadores da Jinjiang na obra da fábrica da BYD em Camaçari (BA)
Divulgação/MPT
Internamente, o cenário ideal é o de que as fases 1 e 2 iniciem nos conformes. No entanto, interlocutores garantem que a montadora já trabalha com circunstâncias distintas. Dentro do panorama atual, a companhia crê ser menos desafiador cumprir o primeiro prazo do que o segundo. Mesmo assim, já trabalha com janelas de atraso que variam entre 30 e 120 dias. O objetivo, portanto, ainda que sob avaliação, é o de começar as atividades ainda em 2025.
Para completar, o Ministério das Relações Exteriores suspendeu a emissão de vistos de trabalho temporários para a BYD. A Jinjiang alegava, inclusive, que tinha contratado chineses por estes já terem o domínio do que estava a ser feito em Camaçari. Foi constatado, todavia, que este não é o caso dos trabalhadores da terceirizada, trazidos ao Brasil em caráter de “consultores”.
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A fim de obter novamente liberação dos vistos, do tipo 5, a BYD terá de apresentar plano que siga à risca as normas do nosso país. O Ministério do Trabalho diz acompanhar de perto o processo, bem como o Ministério da Justiça, que afirma acompanhar as investigações do MPT e também pode agir cancelando registros de residência.
BYD e Jinjiang: houve tempo para melhorar condições de trabalho
Vale destacar que Jinjiang e BYD tiveram tempo mais do que suficiente para se adequarem às normas trabalhistas brasileiras. A primeira inspeção do MPT à fábrica de Camaçari ocorreu em 11 de novembro. Já a primeira matéria que jogou luz ao tema, de autoria da Agência Pública, foi ao ar em 27 do mesmo mês.
Na primeira inspeção, MPT descobriu que comida dos trabalhadores vinha em coolers
Agência Pública/Reprodução
Fábrica da BYD é alvo de investigação por denúncia de trabalho degradante
Dias depois, em 2 de dezembro, a BYD levou um grupo de autoridades e jornalistas para checar as condições das obras. Autoesporte esteve no local e seguiu, infelizmente, roteiro predeterminado pela fabricante. Na coletiva, nossa reportagem, com muito esforço, foi a única a levantar a questão e ouviu de Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da montadora no Brasil, que ‘não se tolerava na empresa nenhum desrespeito às condições de trabalho’.
Até 31 trabalhadores dividiam o mesmo banheiro no complexo de Camaçari
Agência Pública/Reprodução
Todavia, (quase) nada parece ter sido feito. No último dia 23, força-tarefa composta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), além do Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF) resgatou os 163 funcionários em condições análogas à escravidão.
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Segundo as autoridades, as condições de alojamento e alimentação foram consideradas degradantes. Alguns dos trabalhadores eram vítimas de maus-tratos e agressões e, para completar, todos tinham parte de seus salários retidos. Recebiam apenas 40% em moeda chinesa meramente para compra de itens de sobrevivência.
Os funcionários da Jinjiang não tinham equipamentos de proteção adequados e praticavam jornadas semanais de trabalho que muitas vezes passavam das 10 horas diárias – bem acima do que permite a legislação brasileira. O descanso semanal poderia ser cancelado caso a empresa solicitasse e havia relatos de pessoas atuando sem parar por 25 dias.
Aviso de segurança em uma das áreas fábrica; segundo autoridades funcionários não utilizavam EPIs
Marcus Celestino/Autoesporte
Jinjiang e BYD participaram de audiência no dia 26, com representantes de Ministério Público do MPT, MTE, MPF, DPU e Ministério da Justiça. As empresas contestaram as palavras da força-tarefa, tanto no caso de tráfico internacional quanto no de trabalho análogo à escravidão.
Os 163 funcionários resgatados deverão obter o Registro Nacional Migratório (RNM) junto à Polícia Federal e, depois, o CPF na Receita. Desse modo, poderão receber os valores da rescisão contratual.
A questão da documentação dos trabalhadores chineses é outro ponto relevante. Além da Jinjiang, mais duas parceiras globais da BYD atuam em Camaçari: AE Corp e Open Steel. O total de funcionários oriundos do país asiático, contando com os 163 resgatados, chega a quase 500. Muitos, segundo apurado pela reportagem, não tinham até meados de dezembro registros para atuar legalmente no Brasil.
Autoesporte procurou a BYD no sábado (28) para maiores esclarecimentos sobre atrasos na produção e documentação de funcionários chineses. Assim que a montadora se pronunciar atualizaremos o texto.
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