Marcus Vinicius Gasques foi por mais de duas décadas o homem à frente da redação de Autoesporte, vivendo de perto suas glórias, dificuldades e mudanças Marcus Vinicius Gasques
Editor-chefe e diretor entre 2000 e 2023
“Voar é maravilhoso”, garante Marcus Vinicius Gasques, principal responsável por Autoesporte durante mais de 20 anos. Ele sabe o que diz: no início dos anos 1980, tinha brevê para pilotar monomotores, mas os enevoados caminhos do jornalismo o levaram a trocar os aviões pelos automóveis.
Tudo bem: de certa forma, Gasques também fez Autoesporte voar, bem como vários profissionais que iniciaram carreira na publicação e hoje são nomes consagrados em suas respectivas áreas.
Do alto de mais de 250 edições de Autoesporte publicadas sob seu comando, além de todo o trabalho envolvendo o site, o canal no YouTube e as redes sociais da marca, Gasques conta nesta entrevista exclusiva como era sua rotina, passagens curiosas de sua carreira e muito mais. Confira!
Com Autoesporte a 5 mil metros de altura, na Argentina; ao fundo, o Aconcágua
Acervo pessoal
Autoesporte: Nas entrevistas anteriores deste especial de 60 anos de Autoesporte, seu nome foi citado diversas vezes, espontaneamente, por vários dos entrevistados, sempre de forma elogiosa. Dá para liderar uma revista desse tamanho e relevância sendo admirado pela equipe?
Marcus Vinicius Gasques: As pessoas sempre tiveram um peso grande para mim, isso é algo que prezo muito. Claro que dá orgulho saber que vários profissionais que começaram na Autoesporte agora estão por aí, com carreiras sólidas e voando alto.
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AE: Muitos dos entrevistados revelaram que só são profissionais bem-sucedidos em suas carreiras hoje porque você lhes deu uma primeira chance. Não dava certo receio de que as coisas não saíssem como você tinha imaginado, pela falta de experiência desses profissionais?
MVG: No caso do pessoal que estava começando na Editora Globo, eles passavam um bom tempo no processo de estágio — que é bem completo. Então, aos poucos, se conhecia melhor a pessoa. Íamos integrando, descobrindo. É um processo que envolvia não só a mim como toda a equipe. E dessa forma os talentos se revelavam. Já no caso de quem trabalhava como freelancer, sem ter posição fixa na editora, como os fotógrafos, por exemplo, era uma questão de ir sentindo e conhecendo o trabalho, pela convivência mesmo. Felizmente, sempre deu certo.
Quando Marcus saiu de férias, a equipe imprimiu foto de seu rosto e colou em uma parede para mostrar que ele continuava de olho em tudo
Autoesporte
AE: E a sua própria trajetória na Autoesporte, como começou?
MVG: Eu me formei em Jornalismo pela Cásper Líbero em 1979 e fui trabalhar no Jornal da Tarde, do Grupo O Estado de S. Paulo. Cobria a Editoria Geral, ou seja, meio que de tudo um pouco: crime, reintegração de posse, buraco de rua… E havia uma coluna sobre veículos, publicada às terças-feiras, que em 1982 se tornou um suplemento, o Jornal do Carro.
Nessa época, eu estava tirando brevê para pilotar avião monomotor. O pessoal da redação soube, e aí passaram a me dar algumas matérias dessa área para fazer, pois, pela lógica, eu entendia de motores e afins. Depois, acabei ficando só no Jornal do Carro e por lá continuei até o ano 2000.
Marcos com a equipe comemorando a vitória no Prêmio SAE Brasil 2015
Autoesporte
Uma coisa interessante é que, em certo momento, o jornal O Estado de S. Paulo também passou a ter um suplemento sobre veículos, o Autos & Acessórios, e aí eu tinha que fazer dois textos totalmente distintos com base em um mesmo teste de carro ou evento do setor, com enfoques bem diferentes. Foi uma grande escola, tanto profissional como pessoal. Em 2000, me convidaram para trabalhar na Editora Globo, mas não foi direto na Autoesporte. Primeiro fiquei dois meses na revista Época, como editor da parte digital. Porém, logo depois, o setor automotivo me puxou pelas pernas e troquei de revista.
A Editora Globo havia comprado a Autoesporte fazia pouco tempo, e queriam dar uma espécie de sacudida na revista, trazer uma equipe renovada. Cheguei como editor-chefe e depois fui promovido a diretor. Fiquei, ao todo, 23 anos e alguns meses na revista.
AE: Imagino que esse seu cargo devia ser desejado por aproximadamente 99,9% dos entusiastas de carros…
MVG: Provavelmente, mas a verdade é que eu era quem menos andava com os carros, por incrível que pareça. Ocorre que as fábricas emprestam os carros para testarmos por pouco tempo, geralmente uma semana, às vezes menos, dependendo da situação. Eu sempre privilegiei quem ia escrever a matéria sobre aquele determinado modelo para andar no carro, é fundamental. Depois, precisávamos de pelo menos um dia para realização dos testes, isso se não chovesse ou acontecesse algum outro imprevisto.
A seguir, mais um dia para as fotos, e aí mais um dia para gravar os vídeos… Então acontecia que, no fim, eu nem conseguia andar na maioria dos carros, por não haver tempo hábil. Mas tudo bem. O processo tinha que ser assim mesmo.
Reunião com toda a equipe para planejar ações e pautas da revista e do site
Autoesporte
AE: Você pode descrever um pouco mais da sua rotina como diretor da revista?
MVG: Eu amo escrever, mas a realidade é que quem está em uma posição como essa tem de trabalhar mais com o Excel do que com o Word. São muitas reuniões, orçamentos, planejamentos, gestão… O que eu fazia para, digamos, satisfazer esse meu prazer de escrever era utilizar os fins de semana ou participar de algum evento de lançamento, normalmente em uma viagem, mas sempre respeitando um rodízio interno que tínhamos na redação, para que todo mundo pudesse participar de todos os eventos — em especial, quando era algum salão do automóvel estrangeiro.
Eu considero a cobertura de um salão uma espécie de pós-graduação do jornalismo automotivo. É um grande aprendizado para qualquer profissional, especialmente se for no exterior.
AE: Você viveu de perto a migração de um jornalismo automotivo que existia quase que exclusivamente no impresso para o mundo digital. Como foi essa passagem? Muito traumática?
MVG: Sem dúvida foi algo muito transformador para o mercado editorial. O que aconteceu foi que, ao longo do tempo, o digital foi ganhando mais e mais importância. Chegou um momento em que precisamos avaliar: guardamos uma notícia importante para a revista ou publicamos já, no site? Com o tempo, fomos entendendo que a notícia se impõe, ela não pode ficar esperando. Hoje isso é óbvio, mas há dez anos não era. Além disso, ficou nítida outra vantagem do digital, que é uma espécie de espaço infinito para os materiais, ao contrário da revista impressa, onde há uma limitação de tamanho.
Então, a revista passou a ser algo mais analítico, deixando o mais imediato para o digital. Mas a revista ainda tem seus leitores fiéis, eles não abandonaram o impresso em prol somente do digital. Os dois ainda convivem muito bem.
Com o Ford Mustang Shelby nas colinas de Los Angeles (Estados Unidos)
Acervo pessoal
AE: Atualmente, algumas mídias mais antigas, como o disco de vinil, a fita cassete e até as câmeras digitais, estão voltando à moda. Você acredita que esse processo possa um dia acontecer com as revistas impressas também?
MVG: É possível, mas para que isso aconteça elas vão precisar se transformar. O vinil, por exemplo, voltou, só que hoje ele é caro, é mais sofisticado, mais bem produzido, tornou-se um produto de luxo. O mesmo tem de acontecer com as revistas. No caso das automotivas, particularmente, um ponto a favor é que os carros em si têm um apelo visual muito forte. O estilo, o design, é a primeira coisa que chama a atenção, que desperta interesse.
Se você parar para pensar, seria muito mais agradável e prazeroso estar na praia e ler uma revista impressa muito bem produzida, bem fotografada, com papel de boa qualidade, do que ler essa mesma revista em um tablet, com reflexo do sol batendo, ou no celular, em uma tela pequena. Claro que é uma situação bastante específica, nem sempre estaremos na praia lendo, mas é nesse sentido. É algo que os livros sobre automóveis, inclusive, já estão fazendo.
AE: Alguma edição da sua época é especial para você, ficou guardada na memória com maior carinho por uma razão especial?
MVG: Foram mais de 250 edições publicadas durante a minha passagem pela Autoesporte, então fica quase impossível destacar uma só. Mas por algumas com certeza tenho um apreço especial, como a edição de 50 anos. Pudemos usar a contracapa, então de um lado era a revista “normal”, do mês, e do outro vinha um especial para o qual ouvimos várias fontes, como engenheiros automotivos, para tentar mostrar como seria o carro e a mobilidade dali a 50 anos. Esse especial inclusive ganhou o primeiro lugar do Prêmio SAE Brasil de 2015, com premiação de R$ 7 mil, que foi repartida igualmente entre os membros da redação.
Outra edição que deu muito orgulho foi a especial PCD, de 2019: usamos na capa uma foto com a modelo Paola Antonini, que perdeu uma perna em um acidente. Foi um excelente trabalho de prestação de serviço, lado do jornalismo que também considero muito importante, pois ajuda o leitor em vários aspectos, como a escolha do melhor carro para ele, a questão de custos, seguro, peças etc.
As duas edições preferidas: a comemorativa de 50 anos e o especial para o público PCD
Autoesporte
AE: E houve alguma vez, alguma edição em que você pensou assim: “Lascou, não vamos conseguir entregar, deu tudo errado”?
MVG: Felizmente não. Certamente as edições mais difíceis de fechar sempre foram as do especial Qual Comprar, pois é algo que envolve toda a redação, com análises de centenas de modelos em oferta no mercado. Ela é extremamente trabalhosa, tudo tem que ser lido, relido, checado e rechecado… Atravessamos muitas madrugadas e fins de semana debruçados sobre essas edições, mas sempre deu tudo certo.
É claro que, em várias situações, os prazos foram apertadíssimos: houve casos em que testamos um carro de manhã para escrever à tarde e fechar a matéria na revista à noite, para estar na gráfica na manhã seguinte. Em resumo, posso dizer que passamos muito sufoco, com certeza, mas nunca chegamos ao desespero.
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