Baixa autonomia era o principal problema, mas os perrengues dos pioneiros não ficavam apenas nisso Charles Lindenberg revira-se no túmulo a cada vez que alguém considera aventurar-se a ir de São Paulo ao Rio em um carro elétrico. Autoesporte já tentou fazer isso com um BMW iX, e sem recarregar o SUV no caminho.
Em 1927, Lindenberg saiu da Costa Leste americana e chegou a Paris depois de 33 horas e meia cruzando o Atlântico com um monomotor a pistão Ryan NYP. Essa rota agora é cumprida por um jato em sete horas e meia. Hoje, um Tesla Model S pode rodar mais de 800 km, o que, em tese, permitiria chegar ao Rio e voltar a São Paulo sem recarga. Não é uma aventura, portanto. Mas já foi quase isso.
Carros elétricos existem desde 1880; precederam o Benz Patent, primeiro com motor a combustão, de 1886. Mas não foram muito longe em função da baixa autonomia. Outro motivo para seu fim temporário foi a popularização da partida por ignição a partir do Cadillac Self-Starter de 1912: antes, era preciso girar uma manivela para fazer o motor a gasolina acordar e sofrer com os contragolpes causados pela compressão. Nos elétricos, bastava acionar um interruptor para sair rodando.
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Quase 120 anos após o engenheiro francês Gustave Trouvé instalar motor elétrico em um triciclo, vivi em 1999 a, vamos dizer, aventura de dirigir carros elétricos na Califórnia. Em 1990, esse estado norte-americano havia implantado o programa de emissões zero, que previa o banimento gradativo dos veículos a combustão para tentar reduzir os dramáticos níveis de poluição. Mas a maioria dos ZEVs (sigla em inglês para “veículo de emissão zero”) de então não passava de adaptações insólitas.
Chevrolet EV1 foi concebido desde o início para rodar com motor de indução
Divulgação
A exceção era o EV1, primeiro elétrico de grande produção. Fabricado pela divisão Saturn da GM de 1996 a 1999, o EV1 foi concebido desde o início para rodar com motor de indução. Era leve e seu coeficiente de penetração aerodinâmica, de 0,19, ainda não foi igualado por nenhum outro carro de rua. O problema eram as pesadas baterias: o conjunto de níquel-cádmio tinha energia para 160 km.
Quem me viu saindo aos trancos do estacionamento do aeroporto de Los Angeles com o EV1 achou que eu havia comprado a CNH no açougue. O pedal do acelerador tinha margem mínima de modulação e os freios estancavam o carro à menor pressão. A maior dificuldade, porém, era administrar a vertiginosa queda de energia das baterias: bastou entrar na estrada para a autonomia cair de 120 km para 30 km.
O sistema de regeneração de carga era primário. Aplicativos? Ora, estávamos em 1999: o GPS da época chamava-se Rand Mcnally, uma brochura de 130 páginas ilustradas com as estradas dos EUA.
Era atualizado anualmente, mas ainda não indicava a localização de tomadas públicas. Havia, em 1999, 41 pontos de recarga distribuídos na área de 1,3 mil km² de Los Angeles — hoje, são mais de 2,4 mil km². Consegui, afinal, recarregar no estacionamento de um ginásio de esportes no centro da cidade. Repor 70% da carga exigia três horas de espera.
Interior de um EV1 encontrado em uma universidade dos Estados Unidos
Reprodução/WikiCommons
Foi ali que conheci Greg Hanssen, abastecendo seu EV1. Ele acabara de voltar da Flórida, 9,7 mil km ida e volta, passando 42 dias na estrada com o elétrico; com carro a gasolina, teria levado 39 horas. Mas o que colocou Greg na galeria de aventureiros como Lindenberg não foi a viagem, e sim o fato de ter sido um dos primeiros donos de elétrico da era moderna. Os EV1 eram vendidos sob contrato de leasing de três anos ou 48 mil km.
Depois desse prazo, a Chevrolet recolheu todos os 1.117 exemplares. E só voltou a investir nos ZEVs após 11 anos. Nota da redação: recentemente, uma unidade do EV1 foi encontrada em estado de abandono na cidade de Atlanta.
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