Tirar a primeira CNH deixa de ser parte do rito de passagem ao completar 18 anos e fica fora do orçamento da nova geração Tentei induzir minha filha a torcer para meu time. Em vão: Júlia saiu do Maracanã se desculpando por não gostar de futebol. Minha maior frustração como pai, no entanto, foi querer transmitir a ela o vício pelos carros e pelas motos.
Consegui em parte, uma vez que minha filha adora Fuscas e Vespas antigos, embora não se sinta segura sem a proteção do cinto de três pontos e do airbag, e seja desencorajada pela mãe a dividir espaço ao guidão de um velho scooter com os SUVs de vidro preto absolutos no trânsito.
Ambas as justificativas são válidas, mas o fato é que Júlia não dirige. Passei anos amargando meu fracasso até que comecei a pesquisar sobre o assunto. Hoje me sinto um pouco mais conformado.Júlia faz parte de uma geração que tem outras prioridades, entre as quais garantir a saúde do planeta bebendo suco natural com canudo de papel reciclado – e não ao volante de um elétrico –, e concorrer a uma bolsa de estudos no estrangeiro.
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Acumular patrimônio, como automóveis, ou se casar com véu e grinalda não estão nos planos de boa parte dos millenials, a geração Y nascida entre 1982 e 1994. Menos ainda nos propósitos dos centenials, os Z’s que vieram depois, tribo da qual minha filha faz parte.
Diferente da minha geração que aguardava com ansiedade a manhã do aniversário de 18 anos, data mais festejada que o Natal. O rito de passagem era conquistar o voucher para a independência, um pedaço de papel timbrado chamado Carteira Nacional de Habilitação.
Aproximadamente 53,4% dos jovens entre 18 e 22 anos não havia tirado a CNH, de acordo com a Consultoria Jr. Mackenzie
Divulgação
Hoje a CNH é digital, mas os métodos para que se tenha acesso ao direito de dirigir continuam arcaicos – dos obrigatórios cursos práticos de direção que, na prática, em nada contribuem para formar melhores motoristas, aos vexatórios exames médicos e psicotécnicos promovidos por clínicas autorizadas pelos departamentos de trânsito.
A CNH deixou de ser prioridade para significativa parcela das novas gerações, como demonstra o tombo nas emissões do documento. Em 2018, a consultoria Junior Mackenzie apontou que 53,4% dos jovens entre 18 e 22 anos não havia tirado a CNH.
Dados mais recentes do Detran-SP mostram que nos últimos seis anos a queda na procura pela primeira emissão da carteira foi de 10,5%. Nos Estados Unidos, o país que popularizou o automóvel, a tendência é parecida: apenas 25,6% dos jovens de 16 anos se habilitaram a dirigir, de acordo com a Federal Highway Administration.
Ter um carro deixou de ser o sonho da nova geração
Agência Brasil
Li várias explicações sobre a falta de interesse da garotada pelos automóveis e todas apontam para uma causa principal – o elevado custo para se manter um automóvel, associado à queda de renda. Faz sentido, mas vamos lembrar que sempre foi caro ter automóvel, o segundo bem mais valioso da família depois da casa própria.
É verdade que há algumas décadas ninguém se sentia lesado ao receber a conta do estacionamento na saída de um show, mas ainda assim era preciso reservar bom dinheiro para manter o carro.
A razão que me pareceu mais sensata é a que atribui o desinteresse por dirigir à grande oferta de transporte por aplicativos. Há 1,5 milhão de motoristas por aplicativos circulando no Brasil e só uma das empresas que prestam o serviço, a Uber, anunciou em outubro ter atingido a marca de 30 milhões de usuários no País. Comodidade disponível ao alcance dos dedos para qualquer geração.
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