Saiba quais novidades desenvolvidas na mais importante categoria do automobilismo mundial foram adotadas pelos veículos que guiamos no nosso dia a dia Geralmente, a leitora e o leitor sabem, escrevo nesta coluna sobre mercado automotivo. Por que, então, temos uma foto de abertura que faz referência ao universo da Fórmula 1, com os bólidos disputando posições no autódromo de Interlagos? Respondo: serve para evidenciar que este incrível esporte e o automóvel moderno têm muito em comum.
O ritmo competitivo da categoria, onde o seu companheiro de equipe é seu principal rival, contribui de forma veemente na inovação com foco em desempenho e segurança. Não à toa, a Fórmula 1 contribuiu de diversas maneiras para o desenvolvimento do veículo moderno. Destaco, abaixo, alguns tópicos relevantes:
Materiais
Ford GT – O monocoque de fibra de carbono tem os dois bancos interligados, que não se deslocam longitudinalmente
Divulgação
Uso de materiais mais resistentes e mais leves. O alumínio passou a ser utilizado pela Lotus nos anos 1960, introduzindo o conceito monocoque; em 1981, a McLaren, com seu MP4/1, introduziu a fibra de carbono, uma fibra sintética com propriedades físicas mais resistentes que o aço e mais leve que o alumínio e que teve a sua utilização inicial na indústria aeroespacial.
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Atualmente, os materiais compostos, titânio, cerâmica, entre tantos outros, são elementos utilizados em diversas aplicações na Fórmula 1 e em veículos de passeio visando a redução de peso, a melhoria do desempenho, da rigidez estrutural do chassis e da segurança.
Célula de sobrevivência
Volkswagen T-Cross em teste de colisão do Latin NCAP
Divulgação/Latin NCAP
O conceito é simples. Enquanto o veículo se desintegra, perdendo energia cinética (ver mais abaixo: deformação programável), uma parte quase indestrutível, onde o piloto permanece, se mantém intacta. Alguns veículos automotores de maior valor agregado têm esta característica e modelos de volume passam por testes visando a segurança e a integridade dos ocupantes.
Aerodinâmica
Traseira deixa o enorme difusor de ar à vista, sinal de bom downforce (Foto: Divulgação)
Auto Esporte
Estudos que visam diminuir o arrasto e a resistência do ar e aumentar o downforce são altamente utilizados na Fórmula 1 desde os anos 1980. Rapidamente chegaram aos veículos de passeio.
Nota: por downforce, entende-se a força vertical descendente provocada pelos fluxos de ar ao longo do veículo visando, entre outros, maior velocidade de contorno das curvas e maior velocidade em reta. O uso de aerofólios, spoilers e difusores são o espelho deste desenvolvimento. Importante salientar que aerofólio traseiro em veículos de tração dianteira tem função meramente estética.
Cinto de segurança multi-point
Tecnologia desenvolvida para a proteção do piloto em caso de acidente. Antigamente os veículos de passeio tinham cinto de segurança abdominal (dois pontos); no início da indústria automotiva, nem cintos ofereciam. A legislação brasileira obriga a utilização do cinto de segurança desde os anos 1990 e, desde 2020, os cintos de três pontos são obrigatórios em 100% dos veículos nacionais 0Km.
Powertrain
Todo veículo automotor dispõe de um motor. Mas o desenvolvimento dos motores na F1 sempre foi surpreendente. Veja na linha do tempo:
– 1950-1960: Até 4.5 litros aspirados ou 1.5 litros superalimentados, entre 300 e 400 cv;
– 1961-1965: 1.5 litros aspirados, com potências entre 150 e 220 cv;
– 1966-1986: 3.0 litros aspirados ou 1.5 litros turbo (entre 700 e 800 cv nas corridas e entre 1.000 e 1.400 cv na qualificação);
– 1989-1994: 3.5 litros aspirados entre 700 e 800 cv;
– 1995-2005: 3.0 litros aspirados com até 900 cv;
2006-2013: 2.4 litros V8 aspirados entre 750 e 800 cv;
2014-2025: 1.6 litros V6 turbo híbrido com aproximadamente 1.000 cv.
Os motores híbridos combinam motores a combustão e motores elétricos e estão cada vez mais presentes nos carros de rua em função de restrições de emissões. Os híbridos inicialmente nasceram nas ruas e foram levados à F1 para otimizar consumo de combustível e emissões de poluentes.
Especificamente no regulamento da F1 vigente até o final de 2025, o motor elétrico e o motor V6 aspirado possuem um complexo sistema denominado KERS (Sistema de Recuperação de Energia Cinética). Uma tecnologia menos onerosa e com funções semelhantes para a recuperação de energia já está disponível nos veículos de passeio e estará cada vez mais presente a partir de 2026 no Brasil.
As baterias utilizadas na F1 têm alta capacidade de regeneração e disponibilidade de potência imediata; são características claramente necessárias aos carros de corrida e seus desenvolvimentos chegam com facilidade aos veículos de rua. Os sistemas eletrônicos de gerenciamento de energia são igualmente parte do processo de desenvolvimento que atinge o consumidor final.
Transmissão automática
Ferrari F355 foi o primeiro carro de produção a oferecer paddle shifters atrás do volante
Divulgação
A popularização das transmissões automáticas também ocorreu por meio da F1. Atualmente, a maioria dos veículos nacionais são automáticos – efeito semelhante ao que ocorre em outros mercados.
Outro desenvolvimento consiste na utilização dos paddle shifters, ou borboletas para troca de marchas atrás do volante. Elas têm por objetivo a diminuição do tempo de troca das marchas. A aplicação prática no dia a dia dos veículos de passeio é quase nula, mas muitos são os veículos que dispõem deste mimo. Hoje na F1 todos utilizam este sistema, lançado pela Ferrari em 1989 pelo icônico modelo 640.
Downsizing
Motores com litragens menores consumem menos combustível
Pedro Bicudo/Divulgação
O processo de downsizing dos motores (litragens menores com mesma potência), visto no Brasil a partir de 2013 em decorrência do Inovar-Auto, é utilizado desde 1995 na F1. Em geral, motores com litragens menores consumem menos combustível e, por conseguinte, emitem menos poluentes; por este motivo a contemporaneidade do tema.
Pneus de alta performance
Os estudos de novos materiais e design que proporcionam maior aderência e desempenho em pista (e de escoamento da água em casos de chuva) são desenvolvidos na F1 para os carros de passeio.
Controle de Tração
Hoje proibido na F1, mas presente em vários veículos de passeio, tem por objetivo ajudar no controle da potência, direcionando-a na medida correta para que as rodas não girem em falso ajudando nas condições de tração limitada – como saída de curvas ou chuva.
Sensores
Diversos sensores estão presentes nos veículos automotores, e monitoram quase tudo; carros autônomos são os que mais têm sensores, por terem aplicação prática operacional e de segurança. Na Fórmula 1, esta evolução eletrônica ocorreu principalmente na década de 1980 e culminou, entre outros desenvolvimentos, com a denominada “telemetria bilateral”.
Neste caso, o carro podia ser modificado pelos engenheiros de pista dos boxes (ou até da fábrica). Senna, em Interlagos 1991, teve sua vitória garantida pelos engenheiros da Honda quando seu carro ficou apenas com a 6ª marcha. Hoje esta tecnologia está proibida e apenas dados de medição são permitidos visando a performance. Nos veículos de rua os dados são relacionados à segurança, tráfego, desempenho, segurança, telemetria, manutenção, entre outros.
Imagem da marca
A utilização ou citação de nomes da Fórmula 1 pelas áreas de Marketing em modelos vitoriosos ou de alta performance impulsionam as vendas. Outra questão relevante diz respeito a uma percepção do consumidor, que tende a compreender que marcas associadas à Fórmula 1 dispõem de maior credibilidade, performance, segurança e qualidade.
Das ruas para a Fórmula 1
Freios a disco
Disco de freio foi desenvolvido na década de 1950 para carros de passeio
Getty Images/Valerii Apetroaiei
Desenvolvidos na década de 1950 para os veículos de passeio, foram introduzidos na Fórmula 1 a partir dos anos 1960. O desenvolvimento foi tamanho que os freios a disco passaram a ser o padrão na indústria automotiva a partir da década seguinte (1970).
Deformação Programável
Na década de 1950, este conceito passou a ser estudado por Béla Barényi, um engenheiro da Mercedes-Benz. É amplamente utilizado na F1 e visa deformar pontos estruturais do chassi durante um acidente de forma a maximizar a segurança do piloto e dissipar energia cinética; o carro vai batendo, se quebrando e se destruindo, mas a energia da pancada ocasionada pelo acidente vai se dissipando.
O acidente de Robert Kubica de BMW no GP do Canadá de 2007, por exemplo, ou o de Fernando Alonso no GP da Austrália de 2016 ilustram bem o que é esse conceito.
Suspensão ativa
A Citroën começou a trabalhar em 1957 com o conceito de suspensão hidropneumática para deixar o eixo traseiro sempre a uma altura constante do solo. Este conceito durou até o fim da produção do C5. Na Fórmula 1, em 1981, o Lotus 88 iniciou os testes com este conceito de suspensão – aperfeiçoado por Lotus 92 e por 99T. O mesmo conceito serviu de base para a Williams produzir um dos mais espetaculares veículos da Fórmula 1, o FW14, de 1992. A suspensão ativa foi banida da F1 ao fim e 1993.
As exigências gerais de um carro de F1 e um automóvel de passeio são bem distintas. Os primeiros buscam performance a 350 km/h em 300 km de uma corrida (na verdade um pouco mais), enquanto os veículos de volume buscam confiabilidade, conforto, economia e segurança a um baixo e competitivo preço por dezenas de milhares de quilômetros.
Custos, viabilidade técnica e diversas normas impedem a aplicação plena das tecnologias desenvolvidas na Fórmula 1 em veículos normais.
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