FERNANDO CANZIAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisa Datafolha entre jovens brasileiros revela uma perturbadora discrepância, capaz de gerar frustração no futuro, entre expectativas pessoais muito positivas e elevado pessimismo em relação ao Brasil.
Embora 67% dos jovens entre 15 e 29 anos esperem que sua situação pessoal esteja muito melhor daqui a dez anos (e 65% achem o mesmo sobre sua situação financeira), só 25% acreditam que o Brasil terá desempenho semelhante no período.
Segundo o Banco Mundial, cada ano adicional de estudo no Brasil representa até 15% a mais na renda futura, acima dos 8% na média global. A diferença se dá pelo fato de o Brasil ter menos adultos qualificados; os que são acabam valendo mais.
Entre os jovens brasileiros, apenas 19% acham que estudar é a única forma de obter mais renda no futuro, enquanto 50% dizem que só podem conquistar o que desejam trabalhando. Como atenuante, 67% concordam que estudar é uma das formas de obter mais renda, mas não a única.
Além da situação socioeconômica dos jovens, o Datafolha levantou uma série de informações sobre essa parcela da população em saúde, comportamento, tecnologia e cultura, além de temas polêmicos, como aborto e drogas. Os resultados da pesquisa serão publicados nos próximos dias em uma série de reportagens da Folha.
No levantamento, foram ouvidos mil jovens entre 15 e 29 anos em 12 de algumas das maiores capitais do país, tendo a pesquisa margem de erro de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos.
Para especialistas, o otimismo dos jovens sobre sua situação pessoal futura não corresponde à realidade atual. Seja no mercado de trabalho ou na educação.
A partir da recessão de 2014-2016, os jovens trabalhadores foram os que mais perderam renda (-26,5% entre 2014 e 2019) e sofreram com o desemprego. A taxa de desocupação daqueles entre 18 e 24 anos era de 19,3% ao fim do segundo trimestre, mais que o dobro da média geral (9,3%).
Na educação, dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostram que a taxa de abandono escolar mais que dobrou em 2021, de 2,3% (2020) para 5,6%.
Com a pandemia, o Brasil foi um dos países que por mais tempo manteve as escolas fechadas, o que também refletiu negativamente nos dados do Inep para o desempenho dos alunos nas escolas, tanto públicas quanto privadas.
Segundo o Datafolha, mais da metade (51%) dos jovens está fora da escola, embora a taxa seja menor entre os de 15 a 19 anos (21%). Na faixa de 20 a 24 anos, jovens que, em tese, deveriam estar na faculdade, 57% já não estudam mais.
Para Naercio Menezes Filho, diretor do Centro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância do Insper, é preocupante que os jovens estejam deixando de acessar cursos superiores. Segundo ele, entre aqueles com 22 anos, só 25% têm ingressado em universidades –e apenas 20% acabam se formando.
“No Brasil, o curso superior representa, em termos salariais, uma multiplicação média de três vezes. Os jovens precisam ser informados de que existirão cada vez menos empregos de longo prazo; e que uma carreira em qualquer área, mesmo mudando de empresa, exige cada vez mais educação.”
Segundo Elizabeth Guedes, presidente da Anup (Associação Nacional das Universidades Particulares), que reúne 253 faculdades, os últimos dez anos registram queda de até 40% no total de alunos.
Guedes afirma que a estratégia das universidades tem sido modificar, criar e oferecer mais cursos voltados às demandas do mercado de trabalho. “É o mercado que tem colocado a lanterna na direção que temos de seguir”, afirma.
Galeria Sonho com engenharia e medicina acabou em informalidade e baixo rendimento Jovens enfrentam enorme barreira para entrar na faculdade e melhorar chances futuras.
Em 69 universidades federais, dados do Inep mostram que o total de estudantes matriculados caiu de 1,3 milhão em 2019 para 1,2 milhão em 2020.
Mesmo entre os jovens que ainda estudam ou estudaram, quase a metade (46%) não acredita que a escola os tenha preparado para ser bons profissionais. Grande parte dos que só trabalham (47%) ou trabalham e estudam (32%) o fazem em serviços gerais, que normalmente exigem menos qualificação e pagam salários menores.
“O retorno da educação no Brasil é gigantesco, e não há política pública que informe sobre a importância disso na vida futura”, afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social.
Segundo ele, os jovens brasileiros sempre aparecem em pesquisas internacionais como os mais otimistas. Em levantamento Gallup em 117 países em 2020, brasileiros entre 15 e 29 anos deram nota de 8,9 (numa escala de 1 a 10) para suas expectativas cinco anos à frente. A média global era 7,5%.
“Quando se é muito otimista, a possibilidade de frustração é maior”, afirma Neri. “Basicamente, existem duas maneiras de subir na vida: estudar para ter um bom emprego e poupar. Quando se é muito otimista, o risco é não fazer nem uma coisa nem outra.”
Para Laura Muller Machado, professora do Insper e secretária de Desenvolvimento Social do estado de São Paulo, um dos problemas fundamentais do ensino hoje, além da queda geral no aprendizado agravada pela pandemia, é a inexistência de conexão entre as escolas e o mercado de trabalho.
Segundo o relatório Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, só 8% dos jovens brasileiros concluem algum tipo de ensino técnico ou profissionalizante, ante 40% na média de 38 países.
Entre 2011 e 2016, no governo Dilma Rousseff, o Brasil chegou a investir R$ 38,5 bilhões no Pronatec para treinar 9,7 milhões de estudantes do ensino médio da rede pública e beneficiários de programas federais de renda.
Mas, segundo pesquisa de Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, alunos que terminaram o Pronatec numa janela de 6 a 23 meses não apresentaram avanços em termos de renda ou empregabilidade.
Uma das únicas experiências bem sucedidas, que envolveu 300 mil alunos entre 2014 e 2015, partiu do mapeamento nas empresas da demanda efetiva por trabalhadores, levando-se em conta especialidades e localização geográfica, para só depois iniciar o treinamento.
Em relação ao otimismo dos jovens com seu próprio futuro, Laura Machado afirma: “Infelizmente, não existe nenhuma informação objetiva que possa levar à melhora da situação deles no curto prazo. Os estudantes estão saindo de escolas ruins para um mercado de trabalho também ruim, que vai penalizá-los.”
Uma das poucas boas notícias vem da demografia, que trará redução acentuada no total de jovens nos próximos anos, de cerca de 49 milhões atualmente para 38,2 milhões em 2049.
“É possível que o jovem do futuro acabe valorizado, seja por uma questão de falta de mão de obra ou pelo fato de eles serem bem mais conectados”, afirma Neri, da FGV Social.
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