Propulsor surgiu de um projeto de engenheiros do Brasil e era bom de potência e de torque, mas acabou perdendo para os importados Os motores E.torQ, aqueles que moviam desde Fiat Argo até Jeep Renegade e saíram de linha há pouco tempo, têm uma história bem bacana. As piadinhas sempre o acompanharam – Sem.torQ, Zero.torQ, ruim dE.torQ –, principalmente pelo regime de rotação, que jogava quase toda a força lá para cima, e pelo pé pesado dos condutores que resultava em consumo elevado.
Afetava mais a picape Fiat Toro e o Jeep Renegade, modelos grandinhos. Em Argo, Cronos, família Palio e companhia existia uma boa combinação mecânica, afinal, eram carros mais leves. O 1.8 “morreu” com quase 140 cv e 20 kgfm de torque, ótimo!
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Na verdade, a história dessa família começou lá em meados dos anos 1990, quando uma empresa de engenharia de motores inglesa foi contratada pela extinta parceria Chrysler-Rover (então dona da BMW) para desenvolver uma linha de propulsores compacta, econômica, robusta, eficiente e de manutenção simples.
A pedida era bem rigorosa, e tinha motivos: os tais motores iriam parar em Mini (Cooper e One), Dodge (Neon) e Chrysler (PT-Cruiser). Importantes carros que venderiam muito na Europa e nas Américas, por isso, quanto mais bem elaboradas suas mecânicas, melhor.
Nasciam ali um 1.4 16V e outro 1.6 16V, os dois com quatro cilindros em linha, comando de válvulas único e cabeçote de alumínio, bem compactos e que suportavam até uma preparação com supercharger. Mas havia um problema: onde eles seriam produzidos?
Motor Tritec foi desenvolvido na parceria homônima da Rover-Chrysler
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A joint venture Rover-Chrysler acabou escolhendo nada menos que o Brasil. Mais precisamente Campo Largo, no Paraná. Fábrica erguida, logo começaram a produzir os tais motores paranaenses de projeto inglês que seriam montados em carros europeus e norte-americanos. O nome da aliança, da fábrica e dos motores era o mesmo: Tritec.
Isso tudo foi mantido por anos, de 1999 até 2007, quando terminou a parceria Rover-Chrysler. Então a fábrica da Tritec no Paraná se tornou um problema, já que as marcas passavam de aliadas a concorrentes. E rivais não querem ter uma fábrica em conjunto, por isso puseram fim em tudo, inclusive no 1.4 e no 1.6.
A Fiat logo cresceu os olhos para as instalações de Campo Largo e toda a estrutura, e acabou comprando a Tritec do Brasil em meados de 2008. O lado bom é que ferramentas e projeto dos motores acabaram vindo “de brinde” nessa história. Bem a calhar para a Fiat, que precisava ir além dos Fire e dos motores comprados da GM.
Fiat Punto na fábrica de motores de Campo Largo (PR)
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Depois que a fabricante trabalhou um pouco no projeto do 1.6 ex-Tritec (o 1.4 não interessava para a Fiat, que já tinha o Fire de mesma cilindrada), ele recebeu até uma versão “aumentada” (1.8) e passou a equipar Palio, Siena, Weekend, Strada, Doblò, Idea, Punto e por aí vai.
O nome E.torQ era elaborado: E de Engenharia, Energia, Ecologia e Emoção, seguido do torQ, de “torque”. Os primeiros 1.6 16V E.torQ tinham cerca de 115 cv de potência e 16,5 kgfm, e o inédito 1.8 16V atingia algo em torno dos 130 cv e 18,5 kgfm. Isso foi em 2010, mas esses números mudaram anos depois com os aperfeiçoamentos.
Curiosidade: de tão ecléticos, os motores Tritec de Mini, Dodge e Chrysler foram parar não só nos Fiat como também em Jeep (Renegade), Chery (Fulwin e Amulet) e Lifan (520 e 620, este vendido no Brasil). Era realmente um propulsor compacto, fácil de manter e de mexer e com soluções inteligentes como o uso da corrente vitalícia de comando em vez de correia dentada, que precisa de troca periódica. Projeto dos bons que acabou se espalhando pelo mundo.
Os motores Tritec de Mini, Dodge, Fiat, Chrysler, Cherey, Jeep e Lifan
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2.0 E.torQ deu certo, mas não foi produzido
O que quase ninguém sabe é que a família E.torQ, da Fiat, quase foi além do 1.8. Na realidade, 1.75: eram 1.747 cm³, e a sigla “1.8” nunca passou de uma estratégia de marketing.
No começo da década de 2010, lá para meados de 2013, ainda na extinta FPT (Fiat PowerTrain, seção de desenvolvimento de motores e transmissões), começavam os planos de aumentar o 1.8 para 2.0. Já sabiam que o futuro seria dos SUVs e que estava por vir uma picape maior que a Strada, a Toro, então precisavam de algo mais potente, torcudo e com cilindrada aumentada.
Planos para desenvolver o 2.0 E.torq surgiram com durante o desenvolvimento da Toro
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Sem muito esforço, a engenharia da FPT mexeu apenas no virabrequim, de curso mais longo, o que fez crescer sua capacidade cúbica para os tão esperados dois litros. Para ter uma ideia, nem chegaram a entrar nos “pormenores” de bielas, pistões, comando de válvulas etc. Foi algo experimental, só para ver quão maleáveis eram os E.torQ. Se esse experimento inicial funcionasse, aí sim dariam andamento em um processo mais completo de desenvolvimento, preparação e calibração.
Os cálculos matemáticos apontavam para um 2.0 E.torQ rendendo algo ao redor dos 153 cv de potência, número interessante para um projeto originado em um 1.6 16V. O torque seria a cereja do bolo: cerca de 23 kgfm.
Se lançado, seria simplesmente o 2.0 mais forte do mercado na época, superior aos de Chevrolet, Ford, Volkswagen, Renault, Peugeot, Hyundai, Toyota, Nissan, Mitsubishi, Honda e outros.
Colocado no dinamômetro, chegaram oficialmente a 148 cv, um pouco abaixo do esperado, mas ainda dentro da média para sua cilindrada. O torque era, de novo, motivo de comemoração dentro dos setores de engenharia da FPT: dos 23 kgfm esperados, alcançaram excelentes 23,7 kgfm pelas medições eletrônicas. A faixa dessa força toda, claro, era alta: ao redor de quatro mil giros. O trabalho rendeu mais frutos do que o esperado, para a felicidade da Fiat brasileira.
Motor 2.0 E.torq seria o 2.0 mais forte do mercado na época,
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As coisas se animavam bastante: esse 2.0 E.torQ não só seria perfeito para o Brasil como também cairia como uma luva para carros dos Estados Unidos, da Europa, da Ásia… Enfim, queriam enviar E.torQ para o mundo todo. Mas as estratégias eram outras e, como em toda boa empresa, o que fala mais alto é lucro, rentabilidade e praticidade.
Esse 2.0 “descoberto” ainda seria devidamente finalizado e – o principal desafio – tinha de entrar em produção. A fábrica de motores de Campo Largo precisava receber bons investimentos para isso.
Um processo que não seria fácil nem barato, e ainda pesava contra o fato de já existirem em produção, mundo afora, outros 2.0 da Fiat Chrysler Automobile (FCA), união de Fiat e Jeep. O E.torQ era bom nos números e tinha muitas virtudes, mas no final sairia muito caro para a fabricante. A ideia era tê-lo, inclusive, no Jeep Compass nacional, que acabou por adotar o 2.0 TigerShark. As Fiat Toro flex topo de linha eram outras pretendentes, porém ficaram com o 2.4 Multiair. Ele e o TigerShark eram made in Mexico e já estavam prontinhos.
Motor 2.0 Tigershark era importado do México
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Era mais fácil e barato importá-los que terminar o desenvolvimento do 2.0 E.torQ, adequar a fábrica paranaense para produzi-lo e homologar tudo, como pede a lei. Por isso, encerrados aqueles testes tão promissores, foi colocado um ponto final no integrante maior da família E.torQ.
Cerca de cinco unidades de testes – os famosos protótipos – foram construídas e nunca chegaram a parar no cofre de um carro: foram testadas só na bancada (dinamômetro). Nenhum 2.0 E.torQ sobrou para contar história, já que viraram sucata algum tempo depois. Querendo ou não, seriam motores bem interessantes, mais eficientes que o esperado e com todo o potencial para ir para o exterior. E, melhor, tudo graças à engenharia brasileira. Coisas do mundo dos negócios.
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